HISTÓRIAS DE ARAÇUAÍ
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A CASA DE LUCIANA TEIXEIRA século XVIII
Era por volta de 1778 quando Luciana Teixeira
resolveu deixar a prostituição na Bahia, pegou sua canoa, remou contra a
correnteza do Rio Jequitinhonha e encantou os homens com o seu chamego
apimentado na foz do Rio Araçuaí, onde aportou no Alto Jequitinhonha, Minas
Gerais. Mal sabia Luciana que os seus préstimos ficariam para a história da
cidade que mais tarde ela iria fundar: Araçuaí, terra das araras grandes, na
língua dos índios tupi-guarani, por onde passou essa semana a Expedição
Jequitinhonha.
E falar de Araçuaí sem falar de Luciana Teixeira é o mesmo que falar de prostituição sem falar de "Maria Cheirosa", uma senhora de 63 anos, residente na cidade, que ainda chegou a desfrutar do glamour da sua atividade em épocas não tão remotas como a de Luciana. E falar de "Maria Cheirosa" sem falar em patrimônio arquitetônico é o mesmo que visitar a zona boêmia de Araçuaí sem prestar atenção no seu Centro Histórico. Lá vive e trabalha essa simpática senhora que, embora rodeada pela decadência do lugar, e também da profissão, não perde o vigor de suas sucessivas gargalhadas. Mas aí vem a parte triste da história: Araçuaí ocupa o terceiro lugar em prostituição infantil no Alto Jequitinhonha, perdendo apenas para os municípios vizinhos de Itaobim e Itinga. Quem afirma é a funcionária do Conselho Tutelar de Itinga, Maria Aparecida Lages Duarte, de 50 anos. De acordo com ela, meninas de até onze anos são forçadas pelos pais à prostituição. Em Itinga, acrescentou, as meninas são atravessadas pelas mães em canoas e deixadas às margens da rodovia para atrair caminhoneiros. Ainda sem a formação dos seios, e algumas que nem chegaram à menstruação, essas crianças estariam cobrando de R$ 2 a R$ 5 por um relacionamento sexual. "As meninas têm que voltar para casa nem que seja com um pacote de biscoito. Muitas fogem com o caminhoneiros e a gente tem que buscá-las em prostíbulos da Bahia, em Salvador, Vitória da Conquista e Itabuna. Em Minas, elas fogem para Araçuaí, Itaobim e Belo Horizonte, levadas por caminhoneiros, já que ônibus não transportam menores e nem as pessoas de carro dão carona", revela Aparecida, defendendo severas penalidades da Justiça aos pais que comercializam sexualmente as suas filhas. Do bordado à fornicação, tinha de tudo no bordel de Luciana A fundação da cidade de Araçuaí, segundo o secretário municipal de cultura da cidade, José Pereira, começou a partir do povoado de Barra do Pontal, hoje Itira, onde os rios Jequitinhonha e Araçuaí se encontram. Quando Luciana chegou à Barra do Pontal, segundo ele, por lá ela se instalou diante da grande movimentação de canoeiros. Eles chegavam ao local transportando sal e querosene da Bahia e voltavam com farinha e rapadura, essa usada como açúcar na época. Tendo à vista um negócio lucrativo, Luciana buscou várias prostitutas na Bahia e montou o seu bordel na Barra do Pontal, dando pouso aos viajantes e fazendo algazarras que varavam a noite toda. Isso, até ela ser expulsa do lugarejo pelo padre Carlos Antônio de Moura Murta, da tradicional família que deu nome à cidade vizinha de Coronel Murta. "A história oral diz que Luciana tinha um caso amoroso com o padre. Ele a teria expulsado com medo de que ela abrisse a boca", conta José Pereira, lembrando que a Igreja Nosso Senhor da Boa Vida já existia no Pontal da Barra, conservada até hoje. Expulsa, Luciana e suas "meninas" teriam subido a remo o Rio Araçuaí, se instalando onde hoje é a cidade Araçuaí. "Como Luciana era uma mulher de muitas posses, comprou muitas terras. Os canoeiros do Barra do Pontal foram atrás dela e daí começou a cidade", informa José Pereira. Mas alguns anos depois, acrescenta, Luciana sofreu perseguição dos coronéis da cidade e acabou indo embora. Nos escritos do naturalista francês Auguste Saint-Hilaire, em passagem pela cidade na época, ele conta que durante a sua expedição histórica ficou hospedado na casa de Luciana Teixeira. Ele escreveu que viu um grupo de mulheres que teciam e bordavam durante o dia, mas que à noite era uma completa diversão no local. A novela Pedra Sobre Pedra, da Rede Globo, retratou um cotidiano semelhante no prostíbulo da personagem Zenilda, interpretada pela atriz Renata Sorrah. "A gente acredita que Luciana era uma mulher muito inteligente e tinha o hábito de escrever. Saint-Hilaire relatou que ao perguntar sobre as suas despesas, na hora de ir embora, ela pediu-lhe tinta para escrever", afirma José Pereira. Hoje, a prefeitura de Araçuaí homenageia Luciana dando o seu nome a uma escola e a uma clínica para mulheres. Na periferia já existia, há muitos anos, uma singela rua com o nome da prostituta. Centro Histórico e prostituição moderna são o retrato da decadência No Centro Histórico de Araçuaí, onde o patrimônio municipal tombou oito ruas e quatro becos - somando 144 edificações do final do século XIX e início do século XX - os expedicionários do Jequitinhonha conheceram o prostíbulo de "Maria Cheirosa". Trata-se de Maria das Dores Ribeiro Lopes, de 63 anos, famosa na cidade por desfilar nos carnavais, em cima de carros alegóricos, abusando das plumas e paetês para reviver a prostituta Luciana Teixeira, negra como ela. "Sou Maria Cheirosa porque eu gostava muito de perfume", explica a prostituta, dando gostosas gargalhadas ao lembrar de suas épocas de "atividade". O casarão da prostituta está sendo vendido para a prefeitura para ser o Centro do Artesão. Hoje, dos nove quartos existentes, apenas um é ocupado pela única "menina" que não fugiu da decadência do local. No lugar de muitas meninas, hoje "Maria Cheirosa" tem a companhia de mais de dez pássaros da fauna silvestre brasileira. O garboso Quem-Quem já conhece a sua dona, fazendo até pose na gaiola para ser fotografado junto a ela. O Centro Histórico de Araçuaí se encontra em ruínas, como se vítima de um bombardeio, no entanto completamente habitado. A prefeitura informou que foi feita uma parceria com o governo francês, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Caixa Econômica Federal e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) para a restauração e revitalização. Nos arredores do casa de "Maria Cheirosa" ainda estão de pé casarões, casas e sobrados antigos em estilo eclético e colonial mineiro. Os do Beco do Sola reúnem vários artesãos que trabalham o couro cru na fabricação de arreios para cavalo, chapéus e outras utilidades do homem do campo. O ofício, passado de pai para filho há várias gerações, encontra-se em extinção, já que os cavalos são trocados pelas motocicletas e carros. No prédio do antigo Clube Iguaçu, freqüentado pela classe média na década de 20, ainda é possível perceber no segundo andar as marcas da enchente que arrasou a cidade em 1979. Isso, depois dela ter sido praticamente reconstruída após a enchente em 1929, quando uma história da cidade, mais antiga ainda, foi levada pelas águas. |
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Repórter Casebres e prédios em ruínas além de muito
lixo e podridão tomam conta da área As enchentes que atingiram a região como as
de 1919, 1928, 1942 e 1979 forçaram a mudança dos comerciantes para a parte
alta da cidade. Na foto acima, canoa em frente à tradicional Casa Telles e
Farmácia Ary, Transporta mercadorias e atingidos pela enchente de 1942. Hoje,
no local , está o Cinema Meninos de Araçuaí ( Foto-Arquivo Zina Chaves ) Quem
passa pela região da Baixada, no centro de Araçuaí, até a avenida Nuno Melo, e
se depara com carcaças de casebres, prédios em ruínas, além de muito lixo e
degradação, não imagina que ali já foi o centro pulsante da economia do
município e da boêmia de décadas atrás. Hoje , o local se assemelha a um
cenário de guerra, onde tudo parece esquecido. O lugar já foi alvo de
reportagens denunciando o estado de abandono. Porém, pouca coisa mudou de lá
para cá. Símbolo da prosperidade e do progresso, ponto de encontro da juventude
dourada e onde muitos comerciantes fizeram fortuna, a praça Waldomiro Silva
está hoje entregue ao Deus-Dará. Seu declínio se acentuou após as enchentes de
1979. Cansados e inconsolados com os prejuízos causados pelas cheias do rio
Araçuaí e Córrego Calhauzinho, os lojistas foram, pouco a pouco, deixando a
área para se instalarem na parte alta da cidade, no entorno do novo mercado
municipal. “ Fomos os últimos a sair”, lembra Juca Paulino, proprietário da
Casa Pereira. Dos anos 30 aos 50, o fox trote, o bolero e as valsas dos clubes
Iguaçu, Calhauzinho e Automóvel Clube, embalavam os footings ( passeio ) das
moças e rapazes que para ali se convergiam à noite. Era o “ must “, o lugar da
moda. O Brasil vivia a Era Vargas, quando inflação e desemprego eram palavras
pouco usadas na cidade. Muita gente, na casa dos 60 anos em diante, ainda
lembra do Bazar Doche, de Felipe Doche, do Armazém Tanure, do bar do Pepino,
das farmácias Ari e Progresso, das Casas Aureira, Pernambucanas, Mineira,
Teles, Marcelo, Rage e outras tantas que levaram Araçuaí a ocupar um lugar de
destaque no cenário político e econômico do Vale do Jequitinhonha e Minas
Gerais. Mercado é demolido Mercado Municipal ( à esquerda da foto ) movimentava
o comércio da época. Construído no inicio do seculo 19 ele foi demolido no
final dos anos 60; na gestão prefeito João Neiva. Nesta foto de 1919, logo após
o fim da 1ª Guerra Mundial, destaca-se além do mercado ,as casas comerciais de
Jose Tanure e Clarindo Telles e, ao fundo, a primeira igreja matriz de Araçuai
na praça do Coreto. É possivel ver os costumes da época , como o uso dos ternos
de linho, as carregadeiras d'agua com seus potes de barro na cabeça e os
jumentos como meio de transporte . ( Foto-Arquivo Zina Chaves ) O tempo passou
e a praça viu tombar seu velho mercado municipal, construído no final do século
18 e que dava vida ao local. Seus arcos e grades de ferro não foram fortes para
sensibilizar a mentalidade da época. Caíram sem resistência em nome do
progresso.Em nome da mesma causa, retiraram as pedras do calçamento, tipo
amendoim que no passado deram o nome de Calhau, hoje Araçuai. Vieram os
bloquetes de cimento. Porém, as lojas resistiam. No lugar do velho mercado
surgiram no centro da praça, um horroroso canteiro sem flores e um marco
luminoso de estruturas metálicas que abrigava um aparelho de TV para aqueles
que ainda não podiam comprar a novidade da época. Neste obelisco os comerciais
luminosos das lojas Kennedy, Pablo Tecidos, Casa Pereira, Casa Marcelo, Casa
Gonçalves, Vidroferro, entre outras, pareciam anunciar a resistência dos que
teimavam em permanecer na região, nos anos 70. Perto dali, na praça do Coreto,
o bar Espigão, abria suas portas para os seus clientes refinados, sob a batuta
de Curto e seu filho Zé de Curto. A velha praça da lojas acompanhava o
embranquecer dos cabelos e as noites mal dormidas dos seus ocupantes, com a
chegada da crise financeira , da inflação galopante e as cobranças dos títulos
bancários vencidos. Vieram as falências e o fechar das portas de lojas
tradicionais. Era o princípio do fim. Zona boêmia que ganhou força nos anos 40
começa a agonizar Lixo e entulhos tomam conta da área onde se localizava a
antiga zona boêmia de Araçuaí. A mais conturbada e complexa vizinha da praça
das Lojas - a zona boêmia- também agonizava. Pelas ruas Grão Mogol e Salinas,
com seus becos e travessas que guardaram tantos segredos e sussurros de alcovas
já não eram mais as mesmas. À medida que os comerciantes saiam e a cidade
crescia, a região foi ficando abandonada. Todo aquele pedaço era inundado quase
todos os anos pelas cheias do Araçuaí e Calhauzinho o que desvalorizou a área.
Os bordéis que ganharam força nas décadas de 40 e 50 , devido à construção da
estrada Rio-Bahia e da estrada de ferro Bahia -Minas fechavam suas portas,
deixando para trás histórias trágicas de amores efêmeros resolvidos na ponta da
faca ou no pipocar dos revólveres. Mulheres como Ana Tição, Maria dos Dois, Ana
Pé Roxo, Maria Cacetão, Maria Larga e outras anônimas Marias que ofereciam seus
corpos nos botequins mal iluminados já eram agora lembranças de um passado
inglório, como as músicas que saiam da sanfona do velho Elói que parecia ter 43
dedos em cada mão. Elas varavam as solitárias madrugadas de jovens boêmios e
respeitosos senhores. A última a abandonar o barco foi a lendária Maria
Cheirosa que comandou o Bar Para Todos com mãos de ferro. “ Apesar de tudo,
havia respeito”, lembra Maria. Carcaças A antes movimentada Rua Costa Sena é
hoje um cenário de desolação Do prédio da tradicional Casa Rage, fundada em
1915 ; ficou apenas a carcaça. A loja funciona atualmente na Praça do novo
mercado. Atualmente há muitos galpões vazios e danificados. O abandono leva a
degradação. O descaso dos proprietários com os imóveis, causam estragos
profundos e um retrato da decadência vai desenhando seus contornos em meio ao
lixoe entulhos. Ao passar pelo local você sente a nítida impressão de que no
momento da caminhada você ultrapassa o portal do tempo. O eletricista Aguinaldo
Silva, o Naka, 62 anos, vai relembrando ao meu lado, dos botecos e casas
comerciais da época . Ali era Tindó, acolá o de Antonio Carcereiro, a padaria
de Seu Jayme em frente a do seu Hermelino. Mais à frente, Dú de Neco, Tino
Cego, Zé Lima, Geraldão, Geraldo Gazinelli, Roxo. “Está tudo morto”, lamenta
Amaury Sousa Carvalho, 42 anos filho do comerciante Geraldo Gazinelli que
faleceu em agosto de 2007. Diogo Pereira Rocha, 18 anos, mora com a mãe e a
irmã de 14 na rua Costa Sena, que desemboca na praça das Lojas. “ Quando dá 9
horas da noite, ninguém mais sai na rua. Tem muito vandalismo”, lamenta o jovem
que gosta de teatro e sonha com um futuro melhor. “ Moram quatro famílias na
rua. Diversão aqui é só o rio Araçuai”, diz ele, reclamando do som alto de uma
casa de prostituição nos fundos. “ Ninguém dorme”, reclama o garoto. Passamos
para a rua Salinas onde encontramos Lúcia Ferreira, de 52 anos. Ela mora há 4
anos com o companheiro, num casebre em ruínas. Lúcia relata que o IBGE não
esteve lá para recensear os moradores. Tem oito pessoas na casa de 4 cômodos,
entre elas, três crianças. A mais velha, com 12 anos. Da porta da casa tem-se a
visão total do abandono. Muito entulho e lixo acumulados. Em setembro de 2001
uma comissão de uma entidade francesa e gerente da Caixa Federal visitaram o
local mas, descartaram a possibilidade de liberar recursos para a restauração
da área. O empresário Carlos Lauro Ursine, sócio da rede de postos de
combustíveis Cristal comprou vários imóveis na região na tentativa de melhorar
o aspecto do lugar e valorizar a área. A Comissão Municipal de Patrimônio
Histórico de Araçuaí defendia a preservação dos casebres quando o empresário
começou a demolir as carcaças das casas. Na época, o jornal Gazeta publicou
matéria com o título “ Querem preservar a podridão”. O mesmo jornal já havia
retratado a situação na matéria “ Vida e Morte de uma praça” publicada em
novembro de 1997. Atualmente a prefeitura tenta buscar parceiros na iniciativa
privada para promover a requalificação urbanística e ambiental da região. Uma
das alternativas é transformar a área em um eixo cultural. O prédio de dois
andares onde funcionou o clube Iguaçu e a Casa Mineira, foi comprado pela
prefeitura que depositou em juízo parte do dinheiro. No entanto, a suposta
proprietária entrou na Justiça alegando o valor pago. Enquanto a causa não for
julgada, para saber quem realmente é o proprietário do imóvel, nada pode ser
feito. O prédio ameaça desabar. Nele moram duas mulheres e um rapaz. Hoje, no
entorno da praça, funcionam algumas oficinas de artesãos do couro. Aos poucos
outras empreendimentos foram se instalando na praça Waldomiro Silva, como
madeireiras, serralherias, um cinema, uma barbearia que levam um pouco de vida
ao lugar, porém, os moradores denunciam a presença de traficantes e usuários de
drogas que à noite ocupam os imóveis abandonados . “ Queremos que a prefeitura
retire o entulho e melhore a iluminação”, pedem os comerciantes da região. O
certo é que se houver boa vontade, mobilização dos proprietários dos imóveis e
ajuda do poder público, a região da Baixada pode se transformar em um cartão
postal e ponto turístico da cidade. É só querer. Prédio que abrigou as casas
Pernambucanas e loja de Dema serve hoje como depósito de lixo. Ao fundo,
casarão que foi sede do Automovél Clube e Casa Mineira está em ruinas e em
disputa judicial.