Mato também. Já matei alguns.
Matar é muito simples.
Basta estar com umas bolas na cabeça, uma arma na mão e a barriga vazia.
E isto eu tenho todos os dias.
Quando pequenino não era assim.
Era apenas criança pura e essencialmente divina.
Mamãe e papai colaboraram para a minha delinqüência.
Mamãe é analfabeta.
Migrou para um grande centro urbano muito jovem.
Não teve condições para sair de seu obscuro mundo da ignorância.
Acreditou ser meu pai o príncipe encantado de sua fantasia de amor.
Ele apenas a engravidou e desapareceu.
E mamãe continuou sonhando.
Foi em busca de outros príncipes para realizar seus desejos.
Um dia um; no dia seguinte outro, e outro e outro...
Fui crescendo e este espetáculo revoltava-me cada vez mais.
Morávamos em um cubículo. Muita gente amontoada.
Pão não tínhamos. Apenas migalhas, restos de feiras que eu pegava.
Minha mãe não tinha um trabalho.
Não se preocupava a encaminhar-me para uma escola.
Não tinha condições de dar a mim uma vida decente.
Cigarro na boca. Roupas coladas no corpo; toda noite saia para dançar.
Eu ficava só com meus outros irmãos. Tínhamos muito medo.
Até que um dia não deu mais para suportar.
Saí pelas ruas e fui roubar.
Roubei. Matei. Me droguei. Sou pós graduado em delinqüência.
Estou marcado para morrer. Mamãe, foi para isto que você me trouxe aqui?
Autora: Maria José Viana, educadora e escritora
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