A Psicologia contribuiu largamente para o desenvolvimento do campo da educação, e estas possuem uma grande interface ainda nos dias atuais. Apesar disso, inicialmente a Psicologia não tinha um espaço assegurado no campo da educação. Enquanto a concepção da chamada Escola Tradicional se mantinha em ação, não havia espaço e nem necessidade de uma Psicologia para acompanhar a prática educativa. Na concepção tradicional a educação era vista como um trabalho de desenraizamento do mal, que era considerado inato no ser humano. O homem nascia já dotado de duas naturezas, sendo uma parte já corrompida e a outra caracterizada como a essencial, potencialmente boa e construtiva. Cabia assim à educação desenvolver e zelar por essa parte essencial impedindo que a parte corrompida se manifestasse nos indivíduos, e para isto era necessário o conhecimento, uma vez que apenas este poderia ser capaz de dar ao homem condições necessárias para o controle de tal mal.
Assim, na Escola Tradicional era essa a visão de aluno, um ser naturalmente corrompido, que precisava ser “domado”. Estes deveriam ser expostos a determinados modelos exemplares de seres humanos para que assim desenvolvessem a natureza humana essencial. Tais modelos eram exatamente os professores, figuras exemplares de “perfeição”. Outro aspecto visivelmente presente na Escola Tradicional eram os notórios princípios e códigos morais que regiam o ambiente escolar. Estes eram estabelecidos a partir de disciplina e de regras extremamente firmes, com o objetivo de corrigir quaisquer desvios existentes nos alunos.
Com essa alternativa e possibilidade que o aluno tinha para desenvolver seu lado bom era totalmente desnecessária a presença da Psicologia no âmbito da educação, uma vez que já se conhecia suficientemente bem o ser humano e suas formas de aprimoramento.
A partir do século XX esta lógica mudou. A visão foi voltada para a valorização da infância e as crianças eram vistas como “o futuro da nação”. A escola também modificou-se partir de novas idéias trazidas pela Pedagogia da chamada Escola Nova.
A criança passou a ser vista como um ser naturalmente bom, porém ainda com duas divisões: uma parte boa manifestada desde o nascimento e outra parte que poderia ser corrompida. Assim, cabia à escola cuidar para que a bondade permanecesse e continuasse a se desenvolver na criança, onde esta passou a ser assim um espaço de liberdade e de comunicação. Não se havia mais a preocupação com a disciplina, pois as expressões e as manifestações infantis também produziam construções e trocas. Desta forma abrem-se as portas educacionais para a Psicologia, uma vez que esta era capaz de conhecer a criança e seu desenvolvimento natural para que assim fosse possível trabalhar para que esta não fosse corrompida.
Ao ser inserida nesse novo ambiente, a Psicologia alia-se à educação e acaba por desenvolver certa cumplicidade ideológica, uma vez que esta traz consigo a concepção de que o homem é dotado de uma natureza inata, e que ao ser atualizada produz capacidades e potencialidades humanas a todos, tendo como universais a dinâmica e as estruturas do psiquismo. Sendo assim, as crianças que apresentassem quaisquer desvios em seu desenvolvimento eram representadas como problemáticas, uma vez que todas estavam expostas às mesmas condições e aos mesmos conteúdos no ambiente escolar. A Psicologia desenvolveu assim diversos instrumentos capazes de “diagnosticar” os problemas que tais crianças apresentavam, desenvolvendo projetos diferenciados para estes que eram considerados os responsáveis pelo seu não-aprendizado e pelos seus “déficits”. Desta forma o sujeito foi sendo cada vez mais isolado do mundo social, pois possuía condições para desenvolver-se e se não o conseguia o problema e a responsabilidade era dele mesmo.
Assim, a grande contribuição para que a educação e as instituições não sejam responsabilizadas e nem criticadas pela produção do fracasso escolar foi dada em grande escala pela Psicologia, a partir da idéia de que este fracasso será sempre dos sujeitos e nunca da estrutura, da didática ou da política pedagógica e educacional presentes que vigoram e ditam como deve ser o âmbito escolar.
Diversas conseqüências apareceram devido a esta nova forma de visualizar a relação escola x aluno. A principal delas, notoriamente vista, foi a da garantia da cumplicidade e da defesa dos interesses das camadas dominantes, não havendo preocupação alguma voltada para as classes sociais menos favorecidas. O discurso apresentado hoje é de que a educação é igualitária a todos, visto que a didática, os projetos e as grades curriculares são as mesmas para todos os alunos, onde afirma-se com convicção que todos tem as mesmas chances de competir no que diz respeito ao mercado de trabalho. Assim, o processo de desigualdade social é mascarado e retirado de cena, e as diferenças passam a ser traduzidas em discursos de que apenas os mais dedicados, responsáveis e esforçados são os que têm melhores aproveitamentos e oportunidades perante o mercado. E é desta forma que pouco a pouco se solidifica cada vez mais a produção da ideologia que acompanha o processo educacional, ocultando cada vez mais a realidade e promovendo dia a dia a aceitação e o conformismo em relação à desigualdade social não somente no que diz respeito à educação, mas sim em todos os aspectos que permeiam as relações sociais.
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