Albenísio Fonseca
Fazer alguma coisa é conhecer a fórmula
mágica que permitiu inventá-la ou fazê-la aparecer de maneira
“espontânea”. Por essa razão, o artesão sempre foi visto com respeito ou
temor, já que é detentor de um segredo, pois todos os ofícios comportam
uma iniciação que se transmite por meio de uma tradição oculta. Consta
que Dédalus, arquiteto e artesão de renome, possuía movimentada oficina
em Atenas, onde ensinava seu ofício a vários aprendizes. Um deles, seu
sobrinho Talo, suplantou-o em criatividade a ponto de inventar o
serrote, o torno de oleiro e o compasso.
Enciumado, Dédalo assassinou-o e foi
condenado ao degredo. O caráter mágico do artesão, contudo, foi
substituído, contemporaneamente, por uma linguagem e um saber-fazer
tão estranho aos não-iniciados que cada um desses grupos continua a
manter, para os demais, sua aparência de mistério. Na luta pela
sobrevivência, o ser humano (ao longo do decurso histórico) teve que
executar atividades penosas e que requeriam grande dose de esforço
físico.
Talo, sobrinho de Dédalo, criou
instrumentos cuja finalidade era tornar menos árduo o trabalho e que,
inicialmente feitos de ferro, acabaram por receber a designação genérica
de ferramentas. A utilização dessas ferramentas, uma extensão das mãos,
exige apenas habilidade e um mínimo de adestramento. É por isso que a
passagem da ferramenta para a máquina significa também rejeição a todo
um caráter litúrgico do trabalho.
HISTÓRIA, HÁ 6 MIL ANOS
A inexistência ou mesmo a
precariedade de instrumentos auxiliares é que certamente provocou a
necessidade da domesticação de animais, e da submissão de outros homens
pela força, obrigando-os a tarefas exaustivas de que se eximiam os
dominadores. A limitação dessa atividade vai decorrer tanto por
problemas de natureza ética quanto pela dificuldade de manter-se o
controle sobre contingentes escravizados, o que não deixou, contudo, de
gerar derivados, do qual a máquina é a expressão moderna.
A história do artesanato tem início com a
própria história do homem, pois a necessidade de se produzir bens e
utilidades de uso rotineiro, e até mesmo adornos, expressou a capacidade
criativa e produtiva como forma de trabalho. Os primeiros artesãos
surgiram no período neolítico (6.000 a.C) quando o homem aprendeu a
polir a pedra, a fabricar a cerâmica e a tecer fibras animais e
vegetais.
No Brasil, o artesanato também surgiu
neste período. Os índios foram os mais antigos artesãos. Eles utilizavam
a arte da pintura usando pigmentos naturais, a cestaria e a cerâmica,
sem esquecer a arte plumária como os cocares, tangas e outras peças de
vestuário feitos com penas e plumas de aves.
O artesanato pode ser erudito, popular e
folclórico, podendo ser manifestado de várias formas como, nas cerâmicas
utilitárias, funilaria popular, trabalhos em couro e chifre, trançados e
tecidos de fibras vegetais e animais (sedenho), fabrico de farinha de
mandioca, monjolo de pé de água, engenhocas, instrumentos de música,
tintura popular. E também encontram-se nas pinturas e desenhos
(primitivos), esculturas, trabalhos em madeiras, pedra guaraná, cera,
miolo de pão, massa de açúcar, bijuteria, renda, filé, crochê, papel
recortado para enfeite, e tantas mais.
O artesanato brasileiro é um dos mais
ricos do mundo e garante o sustento de muitas famílias e comunidades. O
artesanato faz parte do folclore e revela usos, costumes, tradições e
características de cada região.
A produção artesanal, por si só, hoje, é
uma questão complexa. Entre alguns fatores de ordem tecnológica, que o
artesão (via de regra) parece desconhecer ou não aplicar no desempenho
da sua atividade, podem ser arroladas as técnicas de definição da
temática, da criação (considerando-se os fatores históricos e
culturais), escolha de matéria-prima adequada, conhecimentos e domínio
da técnica escolhida e conhecimento da técnica da fase de acabamento.
A carência de entidades de classe
organizadas e conhecedoras dos valores e direitos da categoria, e que ao
mesmo tempo disponham de recursos técnicos para facilitar o desempenho
do desenvolvimento das atividades, seja ao nível sociológico,
tecnológico, político, econômico, comercial ou jurídico – tem sido um
entrave ao desenvolvimento do artesão.
TÉCNICA DERIVA DE ARTE
Técnica, é bom lembrar, deriva de
“Techne”, palavra grega que significa “arte”, sentido que menos possui
no entendimento atual. O certo, no entanto, é que a técnica existe desde
que o homem conseguiu fabricar artefatos, ainda que rudimentares.
Inicialmente, essas técnicas eram ao mesmo tempo mistérios (os “segredos
do ofício”), situando o homem arcaico num universo saturado de
sacralidade. Hoje, reina ainda, bem mais conceitual que
arquetipicamente, uma grande confusão entre teoria, ciência e técnica,
compreensível na medida em que o papel da ciência é o de fundamentar a
civilização tecnológica.
Também proveniente do grego, “theoria”
no entendimento original correspondia a contemplação. A separação entre
teoria e prática era desconhecida no significado original.
Modernamente, contudo, converteu-se em instrumento ideológico. A
ciência, que não é filosofia, embora tenha se desenvolvido a partir do
horizonte aberto por esta, é muito mais um ardil teórico. E, como todo
ardil, é uma aparelhagem de captura.
Com isso, a própria ciência se torna
tecnologia, ou seja, instrumento de apresamento da realidade. A razão da
máquina – que não é uma soma de ferramentas ou uma ferramenta muito
rápida – é a submissão da natureza. A distinção é clara: a ferramenta
serve ao trabalho humano, que a cria em função de suas necessidades,
enquanto que a máquina projeta o trabalho humano, e dele se serve.
Para o homem grego, a natureza tinha que
ser compreendida e assimilada, nunca submetida. O cálculo utilitário, no
entanto, converteu a produção e o consumo no próprio sentido da vida.
Toda essa discussão é secular.
O abandono da herança clássica pela visão
moderna pode ser resumido na afirmação, quase um vaticínio, de Charles
Chaplin: “Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que
de inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a
vida será de violência e tudo será perdido”.
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